A atuação de farmacêuticos na assistência à saúde dos povos indígenas está regulamentada desde 2017 pela resolução 649 de 28 setembro. A norma busca inserir a profissão na atenção a essa parcela tão importante da população. Porém, no mês em que é comemorado o Dia do Índio, 19 de abril, o Conselho Federal de Farmácia mostra que a recíproca é verdadeira e aproveita para homenagear os indígenas que escolheram a profissão farmacêutica para se dedicar ao cuidado à saúde das pessoas. No estado da Paraíba pelo menos cinco representantes da etnia Potiguara já atuam na área. Entre eles está Rita de Cassia Santos, farmacêutica indígena Potiguara, da aldeia Caieira, localizada entre os municípios de Baía da Traição e Marcação, no litoral Norte da Paraíba.
Recém-formada, ela relembra o período em que cursou como bolsista em uma faculdade particular na capital. Rita de Cássia precisava se deslocar da sua aldeia todos os dias por 95 km de ônibus. Ela saía todos os dias de casa por volta das 4 horas da tarde para chegar a tempo na faculdade. “Toda noite chegava em casa por volta de meia-noite e tinha que acordar logo cedo no outro dia porque tinha que dar aula na manhã seguinte. Foi a forma que encontrei para poder pagar a porcentagem que o financiamento estudantil não cobria. Foram cinco anos nessa luta e consciente das dificuldades que enfrentaria por ser indígena. Costumo dizer que em faculdade pública nós temos pessoas com maior flexibilização em relação a nossa luta, mas em faculdade particular são poucas pessoas que pegam na nossa mão e se solidarizam com a nossa dor”.
Rita de Cássia atuou como professora na educação infantil durante quatro anos para complementar o investimento nos estudos. Mas para ela essa não é uma história triste, mas de grande resistência e orgulho. A indígena relata que o amor pelo conhecimento sobre o potencial das plantas para a cura foi cultivado no seio familiar. A bisavó e a tia tinham uma farmácia viva atrás da casa. “A minha conexão com a Farmácia veio desde quando eu era pequena porque como sempre morei na aldeia e as ouvia dizendo: Tá com dor de ouvido? Coloca folha de arruda! Tá com insônia? Toma um chá de capim-santo. E realmente tinha efeito terapêutico benéfico no outro dia e não precisava ir ao médico. Então eu fui crescendo e vendo essas situações acontecendo e com o que eu chamo de ciência indígena”.
A farmacêutica tem como principal referência a própria mãe, Maria José Fernandes, que tem 22 anos de trabalho no campo da saúde indígena como técnica de enfermagem, hoje enfermeira. As duas iam juntas no mesmo ônibus para a faculdade. Em tempos de pandemia da Covid-19, Rita de Cássia viveu um momento de grande emoção. A própria mãe enfermeira foi quem a vacinou contra a doença. “Eu queria ser como ela, mas não na área dela, mas numa área que eu me identificasse. Foi aí que entrou a farmácia na minha vida. Foi a área da saúde que eu mais me identifiquei por conta das plantas medicinais, desse conhecimento tradicional milenar que já vem não só do meu povo, mas de todo o contexto histórico brasileiro. O cuidado dos indígenas com as plantas e todos os saberes que eles detêm”.
Atenção Farmacêutica
Enquanto Cássia inicia a sua carreira, outro farmacêutico indígena Potiguara tem uma trajetória reconhecida neste campo. Josafá Padilha Freire também é pedagogo, especialista em psicopedagogia e professor da língua Tupi, e atuou no grupo de trabalho de culturas indígenas do Ministério da Cultura e na Fundação Nacional do Índio (Funai). Após se formar como farmacêutico, em 2020, ele ingressou na saúde indígena com o objetivo de fortalecer e ajudar na prestação do cuidado em saúde às populações indígenas da região e na melhoria dos indicadores de saúde.
Há 12 anos na saúde indígena, Josafá trabalha há 5 meses na farmácia e no laboratório de análises clínicas do polo base do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), na Baía da Traição, na aldeia Forte. A unidade atende mais de 15.500 mil indígenas Potiguaras e aos povos Tabajara no município do Conde. Josafá foi responsável pela implantação, há 4 meses, de um projeto piloto de ações de Assistência Farmacêutica com a inserção do cuidado farmacêutico na atenção básica da saúde indígena. Por meio dessa iniciativa incentivou a criação de um horto com plantas medicinais com mais de 80 espécies utilizadas na cultura potiguara com foco na futura implantação de uma farmácia viva dentro dos padrões legais. “O objetivo é garantir a qualidade da execução dos serviços e procedimentos farmacêuticos e contribuir para o fortalecimento cultural sempre articulando com o sistema tradicional de saúde indígena, ouvindo a população indígena, os parentes e respeitando toda essa cultura. É muito importante ser um farmacêutico índio, principalmente, pelo diferencial de conhecer os usos, costumes e tradição do meu povo, porque unificou o meu conhecimento científico acadêmico ao conhecimento das práticas e dos recursos terapêuticos tradicionais da cultura indígena e para a oferta de um serviço qualificado e humanizado”.
Josafá cita como grande conquista a regulamentação pelo Conselho Federal de Farmácia, da atuação dos farmacêuticos que atuam na saúde indígena. Mas ele também aponta entraves que precisam ser superados, como a necessidade de mais farmacêuticos na saúde indígena, mais visibilidade do farmacêutico que atua na área e transformar a cultura de que o farmacêutico é apenas profissional do medicamento. Já Rita de Cássia defende a necessidade de mais pesquisas voltadas para a atuação do farmacêutico na saúde indígena.
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Fonte: Comunicação do CFF
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