A partir de julho de 2010, os farmacêuticos brasileiros irão oferecer um novo serviço à população: a prescrição de medicamentos de venda livre (aqueles que não exijam receita). O serviço, prestado no âmbito da assistência farmacêutica, é o objeto de uma proposta de resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) que será votada em sua reunião plenária que será realizada, nos dias 1º e 2 de julho de 2010, em São Paulo. A proposta ficou em consulta pública, de 31 de março a 18 de maio deste ano, e recebeu mensagens favoráveis à sua aprovação de quase 70% de farmacêuticos de todo o País.
Para o Presidente do CFF, Jaldo de Souza Santos, a população brasileira está diante de um momento histórico, pois será beneficiária de um serviço “valoroso” que causará um grande impacto na saúde e na qualidade de vida das pessoas, como também nos sistemas púbico e privado de saúde. Pela proposta, o ato consiste na orientação documentada (feita por escrito e com a assinatura do farmacêutico) sobre o uso de um medicamento isento de prescrição.
Pelos cálculos de Souza Santos, a proposta será aprovada, com folga. Ele se baseia no fato de os conselheiros federais já terem se manifestado favoravelmente à sua aprovação, durante os meses em que ela foi debatida. O Presidente do Conselho Federal de Farmácia, Jaldo de Souza Santos, deu esta entrevista à revista PHARMACIA BRASILEIRA/CFF.
PHARMACIA BRASILEIRA - Dr. Jaldo, por que o Conselho Federal de Farmácia quer regulamentar a prescrição farmacêutica?
Jaldo de Souza Santos – O Conselho Federal de Farmácia tem duas motivações para regulamentar a prescrição farmacêutica. A primeira é o desejo e o dever de buscar meios para ampliar a segurança do paciente que faz uso de medicamentos isentos de prescrição contra os muitos riscos que esses produtos oferecem, como possíveis interações medicamentosas, reações indesejáveis, intoxicações em vários níveis.
A segunda motivação é acabar com a ilegalidade contida na indicação orientada, pelo farmacêutico, de um medicamento de venda livre (de receita). Essa ilegalidade é absolutamente inaceitável. É uma contradição que tem de ser resolvida. O farmacêutico é o profissional da saúde especialista em medicamentos. Ele passa, no mínimo, cinco anos, na universidade, estudando os medicamentos, a terapêutica medicamentosa. Como explicar, então, que ele fique privado de prescrever com orientação um medicamento que já é isento de prescrição? Não tem cabimento algum.
Suponhamos, a título de exemplo, que um paciente que faz uso de cimetidina, indicado para gastrite, vá a uma farmácia, porque está com uma dor de cabeça provocada por um resfriado (um transtorno menor). Ele pergunta ao farmacêutico se deve tomar um paracetamol para combater a sua dor. Acontece que o popular paracetamol, classificado como medicamento isento de prescrição (MIP), pode ter a sua ação drasticamente reduzida, se for tomado simultaneamente com cimetidida.
Acontece que o farmacêutico estaria privado de orientar o paciente a usar outro alnalgésico, porque essa orientação poderia ser interpretada como exercício ilegal da medicina, o que é um crime previsto em lei. Sem contar que o farmacêutico estaria, também, infringindo o Código de Ética da Profissão Farmacêutica.
Então, eu pergunto: diante do quadro que expus, o farmacêutico deveria cruzar os braços e deixar o paciente à míngua de orientação? O perigo é o paciente ir a outra farmácia para buscar os conselhos de um balconista leigo. É claro que o farmacêutico deve e quer orientar esse paciente, porque ele tem compromissos sociais e de saúde com o País, e não deixará de assumir essas responsabilidades.
E a sua orientação não custará nada ao paciente. Será absolutamente gratuita. Aproveito para lembrar os leitores a procurarem mais pelos serviços farmacêuticos, nas farmácias. Os seus serviços estão livres da burocracia, o paciente não tem que entrar em filas e muito menos marcar horário. E só chegar e a orientação estará garantida.
PHARMACIA BRASILEIRA - Em que termos se dará a prescrição farmacêutica?
Jaldo de Souza Santos – Ela se dará nos seguintes termos: a orientação será feita por escrito e trará a assinatura do farmacêutico. Assim, o paciente terá a garantia desse ato profissional, vez que ele é documentado. E o farmacêutico, por sua vez, estará protegido de quaisquer penalidades, pois a sua orientação, transformada em documento, será um ato regulamentado por resolução.
O outro termo é que a prescrição será restrita a medicamentos de venda livre, ou seja, isentos de prescrição ou que não precisam de receita. Uma pessoa me perguntou: “Se os medicamentos são isentos de prescrição, porque vocês querem ter o direito de prescrevê-los?”. Respondi-lhe o seguinte: “Eles são isentos de prescrição, mas não são isentos de orientação, nem deixam de gerar riscos aos seus usuários”.
PHARMACIA BRASILEIRA – A prescrição será obrigatória a quem for a uma farmácia para comprar, por exemplo, uma dipirona?
Jaldo de Souza Santos – Quem for a uma farmácia ou drogaria não estará obrigado a procurar o farmacêutico para que lhe ofereça a prescrição, em caso de medicamentos de venda livre. A escolha é do paciente. Ele é livre para querer ou não a orientação do farmacêutico.
Agora, se optar pelos serviços do farmacêutico, o paciente pode ter certeza de que será atendido com todo o rigor profissional, técnico, científico. E mais: o farmacêutico irá dispor-lhe, também, de sua índole de cuidador, de educador.
PHARMACIA BRASILEIRA – Com a prescrição farmacêutica, as farmácias terão mais custos? Os medicamentos vão ficar mais caros?
Jaldo de Souza Santos – De jeito nenhum. Desde 1973, quando foi editada a Lei 5991/73, as farmácias passaram a ser obrigadas a manter um farmacêutico presente, para prestar os seus serviços de orientação à população. Ou seja, não é de hoje que as farmácias precisam ter o seu farmacêutico.
Sendo assim, a prescrição também não vai majorar os preços dos medicamentos. Além do mais, uma pessoa não vai deixar de comprar uma aspirina, só porque ela pode – ou não – ser orientada pelo farmacêutico sobre o uso desse medicamento.
PHARMACIA BRASILEIRA – Por que o senhor afirma que a prescrição farmacêutica trará benefícios, também, para os serviços público e privado de saúde?
Jaldo de Souza Santos – É fácil entender. A prescrição farmacêutica, ou seja, a orientação do farmacêutico feita por escrito e contendo a sua assinatura, tem, também, o objetivo de promover o uso racional e correto dos medicamentos. Isso, obviamente, irá qualificar o uso, diminuindo as interações medicamentosas, levando à adesão do paciente ao tratamento, reduzindo o brutal índice de intoxicações medicamentosas.
O objetivo de tudo isso é a promoção da saúde, a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Assim, é de se supor que haverá uma diminuição das internações hospitalares evitáveis decorrentes dos possíveis problemas inerentes ao uso de medicamentos, o que reduzirá os custos para os sistemas público e privado de saúde.
Todo medicamento, seja ele isento de prescrição (MIP) ou que exija receita, pode gerar reações indesejáveis em seus usuários. O que ajuda a diminuir ou impedir os problemas é a orientação. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ministério da Saúde reconhecem a orientação como parte essencial do uso correto do medicamento que levará ao tratamento desejável, à recuperação da saúde e à cura da doença. Há um consenso internacional entre os organismos de saúde de que a orientação é o melhor remédio.
PHARMACIA BRASILEIRA – Por ser um ato médico, o senhor prevê que a prescrição farmacêutica proposta pelo Conselho Federal de Farmácia provocará um embate entre médicos e farmacêuticos?
Jaldo de Souza Santos – Ao propor a prescrição farmacêutica, que é a orientação documentada e assinada pelo farmacêutico, não estamos nos confrontando com os médicos, mas colaborando com eles. Os farmacêuticos não irão atuar no tratamento, nem farão diagnóstico, que é um ato exclusivo do médico. O que os farmacêuticos desejam é apenas fazer uma complementação da prescrição médica, orientando o uso correto dos medicamentos e evitando a famosa “empurroterapia” praticada por leigos inescrupulosos. Todos – médicos, farmacêuticos, pacientes e sistemas de saúde – sairão ganhando, porque os medicamentos isentos de prescrição chegarão à população, com muito mais segurança.
Pelo jornalista Aloísio Brandão,
Assessor de Imprensa do CFF e editor da revista PHARMACIA BRASILEIRA.