12/11/2015 - Saúde pública: uma compreensão sobre a reorganização do setor

Está em curso, no Brasil, o processo de reorganização da saúde pública que contempla a substituição do modelo focalizado na doença pelo que prioriza a promoção da saúde e a prevenção de doenças. No novo sistema, o farmacêutico terá o desafiador papel de prestar cuidados na área clínica, com vistas a contribuir para a redução dos estratosféricos números relacionados aos transtornos menores e às doenças crônicas e, assim, melhorar a qualidade de vida dos pacientes e diminuir os casos de hospitalização evitáveis. A explicação sobre as mudanças na saúde pública é do vice-presidente do Conselho Federal de Farmácia, Valmir de Santi.

De Santi foi, até o ano passado, professor de Epidemiologia, Políticas de Saúde e Planejamento e Gestão da Assistência Farmacêutica e de Serviços no SUS (Sistema Único de Saúde) dos cursos de Farmácia, Enfermagem e Medicina da Universidade Estadual de Ponta Grosso (UEPG). Foi, ainda, Secretário de Saúde do Município de Ponta Grossa (PR) e vem se debruçando em estudar o sistema público de saúde brasileiro.

Ele sustenta que o sistema vinha cometendo erros, principalmente, como a falta de organização dos serviços. “O sistema tinha que propiciar a atuação de mais profissionais da saúde, sob uma coordenação que os levem a dialogar entre si na busca de melhores resultados para os pacientes e para o próprio sistema”, explica Dr. Valmir de Santi.

A atuação multiprofissional e integrada, tão desejada pelos idealizadores do SUS, era tímida ou inexistente, o que acarretava prejuízos à saúde e aos cofres do sistema. Valmir de Santi lembra que, se os hipertensos e diabéticos fossem, há mais tempo, acompanhados por enfermeiros e farmacêuticos, haveria uma drástica diminuição no número de consultas médicas e evitaria que essas doenças evoluíssem para quadros de maior gravidade. “A ação dos farmacêuticos poderia levar, por exemplo, à estabilização da pressão arterial e dos níveis de açúcar no sangue dos pacientes e, assim, frearia os casos de internações hospitalares”, acrescentou o vice-presidente do CFF.

O que pode ser denominado de “nova saúde pública” inclui o conceito de formação das redes de atenção à saúde. Elas propiciam a interligação de todo o sistema de saúde, hoje, ainda, fragmentado. Com as redes, o sistema organiza-se em todos os atendimentos – às gestantes, às urgências e emergências, ao tratamento do portador de doença crônica e outras áreas. “O que é mais importante nesse programa é que há uma integração entre os profissionais da saúde. Por isto, ele deixa de ser centrado apenas no médico e incorpora os serviços dos farmacêuticos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros profissionais”, diz Valmir de Santi.

FARMACÊUTICOS NOS TRANSTORNOS MENORES – Na saúde pública que está sendo reorganizada, explica o diretor do CFF, os farmacêuticos terão papel preponderante nos casos de transtornos menores. Eles poderão, por exemplo, prescrever medicamentos não tarjados para pacientes com resfriados, diarreias, dores, febres, aliviando fortemente as filas para o atendimento médico, deixando esse profissional mais disponível para atender pessoas com problemas mais graves.

Valmir de Santi citou que o sistema público deve abrir espaço para o farmacêutico atuar, também, no acompanhando a pacientes com doenças já diagnosticadas e que tenham tido a primeira prescrição médica. “É imprescindível o acompanhamento do farmacêutico no ajuste de doses. Esses pacientes podem receber do farmacêutico uma nova receita e, desta forma, obter os novos medicamentos, sem precisar de outra consulta médica”, disse o vice-presidente do CFF.

Ele fez questão de sublinhar que o cuidado farmacêutico será definido por protocolos científicos e obedecerá a regras definidas. Se necessário, o farmacêutico encaminhará o paciente para outro profissional da saúde e, juntos, definirão o novo tratamento. “Este é o caminho que a saúde pública deve adotar. Ele é mais barato para o sistema público e muito mais eficaz para o paciente”, assegurou De Santi. Deixou claro que, em ambas as formas de atuação clínica, o farmacêutico não substituirá o médico, mas, sim, dará prosseguimento ao seu trabalho.

PROBLEMAS - Para Valmir de Santi, um ponto crucial da saúde pública, no Brasil, sempre, foi a falta de médicos. “Com o programa Mais Médicos, o Governo Federal conseguiu que todos os Municípios brasileiros passassem a ter esses profissionais residindo, naquela unidade da Federação, e trabalhando no SUS, no qual fortalece a promoção da saúde e a prevenção de doenças, também”, observou. O dirigente do CFF lembrou que esse programa tem grande apoio popular e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems).

A falta de informatização está, também, entre as deficiências do sistema público. Segundo Valmir de Santi, informatizar o sistema não é uma tarefa tão difícil, e traria retornos positivos para os pacientes e para o sistema. O farmacêutico alertou para a urgente necessidade de se implantar o prontuário e a prescrição eletrônicos e, assim, garantir que os pacientes sejam, o tempo todo, acompanhados em sua peregrinação aos serviços.

PROMOÇÃO E PREVENÇÃO – A inversão da lógica vigente na saúde pública, que era focada na doença e que passa a ter como prioridade a promoção da saúde e a prevenção da doença, constitui uma grande conquista do setor e da sociedade. Valmir de Santi citou, como exemplo, a expansão do acesso às vacinas. O SUS atualmente oferece à população 17 vacinas de rotina no calendário nacional. Ele destacou o oferecimento pelo SUS da vacina contra o HPV, que vai permitir uma redução no número de casos de câncer de colo de útero, hoje, de cerca de 15.000 anuais. Em 2012, essa neoplasia foi a terceira causa de morte por câncer em mulheres.

DESPERDÍCIO - O vice-presidente do Conselho Federal de Farmácia citou, ainda, o vultoso desperdício de medicamentos, no País, que chega à casa dos 20%. “Considerando que o setor movimentou, em 2013, perto de R$ 58 bilhões, então, o desperdício, naquele ano, foi da ordem de R$ 11,6 bilhões”, quantificou. O desperdício é um problema localizado nos setores público e privado.

A gestão “equivocada” é apontada pelo farmacêutico como a principal responsável pelo problema do desperdício no setor público. Ele denuncia que muitos Municípios não organizaram a sua rede de armazenamento e distribuição de medicamentos, não seguem regras e protocolos para a prescrição e não contrataram farmacêuticos para atuar no setor. “Todos esses erros levam ao desabastecimento, às compras erradas, às perdas de medicamentos e à falta de controle da prescrição e da dispensação”, afirma De Santi.

Mudanças no sistema de saúde brasileiro são inerentes à natureza do SUS. O Sistema Único de Saúde está em permanente processo de construção e organização, como acontece, também, em outros países. O sistema de saúde não é estático, vez que busca atender às novas necessidades em saúde de uma sociedade que passa por transformações profundas.

Independentemente das atualizações sofridas pelo SUS, estudiosos do setor, como Valmir de Santi, entendem que há serviços que precisam estar preservados e em desenvolvimento, sempre, como o acesso universal e democrático a todos os serviços e produtos por toda a população. O desafio está em harmonizar os recursos financeiros limitados e a necessidade constitucional de garantir a cobertura universal do atendimento em todos os níveis de assistência.

A reorganização da saúde pública será o tema da próxima “Entrevista Farmacêutica”, que irá ao ar pela “Rádio Nacional da Amazônia”, emissora da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), em data a ser confirmada. O entrevistado será o Dr. Valmir de Santi. A mesma entrevista, com nova edição, vai ao ar por uma rede reunindo 900 emissoras de rádio e liderada pela Agência Radioweb.


Autor: Pelo jornalista Aloísio Brandão, assessor de imprensa do CFF.

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